No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio Sara conversa com Márcio Kogan, Diana Radomysler e Suzana Glogowski, do Studio MK27, sobre o uso do muxarabi e as influências que o colonialismo português e o modernismo brasileiro na obra do escritório. Ouça a entrevista completa e leia parte da transcrição da conversa, a seguir:
Sara Nunes - A minha mãe é brasileira e o meu pai é português. Eram dois vizinhos que, entretanto, se apaixonaram. E tenho a sensação de que esta conversa também vai ser uma conversa de vizinhos, que são apaixonados por arquitectura e que levam muito a sério o seu trabalho, mas de uma forma leve. E, como já pude constatar antes de começarmos esta conversa, têm um enorme sentido de humor, por isso estamos muito entusiasmados. Acho muito importante esta troca, com diferentes formas de ver a arquitectura e, sem dúvida, que vocês também têm uma forma muito própria de ver a arquitectura. Começa tudo também pela questão do clima, não é? O Brasil tem um clima predominantemente tropical, contrariamente a Portugal. Se estiveram cá em Portugal de certeza que sentiram um pouco mais de frio. Esse clima permite que as vossas casas tenham uma relação mais fluída entre o interior e o exterior. Sinto que muitos arquitectos brasileiros, como é o vosso caso, têm-se dedicado não apenas à arquitectura, como também à arquitectura de interiores. Ou seja, tudo está integrado. Vocês pensam desde o espaço, à estrutura, ao mobiliário. Nesse sentido, pergunto se essa forma de trabalhar a arquitectura (essa forma integrada) tem a ver com o clima. Se esta fluidez dos espaços é a razão pela qual vocês pensam tudo de forma integrada? Eu diria que poderíamos começar pelo Marcio, mas se mais alguém quiser acrescentar estejam à vontade.
Marcio Kogan - No clima acho muitas coisas da arquitectura. Uma vez acho que recebi um arquitecto francês. Fomos visitar umas obras e ele viu a forma como se abria tudo... desde o jardim, até dentro da casa, o interior da casa entrar no jardim e ficou com um profundo ciúme disso.
SN - Nós portugueses temos muita inveja das coisas maravilhosas que vocês fazem, graças ao clima.
MK - E, às vezes, em algumas obras abrem-se todas as janelas. A sala vira um terraço. Existe uma integração radical com isso que o clima, principalmente aqui na cidade de São Paulo, 70% dos dias a temperatura ronda os 23 graus, que é o melhor possível. Apesar de ser muito poluído, a temperatura é incrivelmente boa. E há um outro aspecto que começou a surgir há alguns anos no estúdio... Nós gostávamos de desenhar tudo. Não acho que isso seja uma coisa que tenha a ver com o Brasil ou não, é simplesmente uma paranóia pela perfeição que o escritório tem, como se fosse um transtorno obsessivo compulsivo. E, aliás, eu tenho, mas a equipa tem mais do que eu. Nós gostávamos disso e começámos a desenhar cada vez mais. Os projectos têm milhares de folhas. Há uma cultura do desenho que gostamos muito. Começámos a ser convidados por algumas empresas europeias para desenhar produtos. Eles já reparavam no nosso projecto... havia a mesa, o sofá, a luminária... acabamos por trabalhar com algumas empresas italianas como a Agape e, mais recentemente, a Minotti. Estamos a desenhar bastantes coisas para eles. E isso veio dessa cultura de fazer tudo. Eu acho que é a busca excessiva pela perfeição.
Diana Radomysler - Queria acrescentar uma coisa. Eu acho que sempre que nós projectamos fazêmo-lo a pensar no uso. Se nós pensarmos no uso, pensamos nos interiores dessa casca. E se só pensarmos na casca acaba-se por projectar uma escultura e não um lugar para viver, um lugar para estar, um lugar para usar. Para nós, assim como essa integração entre o interior e o exterior que por causa do clima é uma coisa muito natural... o interior está absolutamente ligado com o acto de projectar. No momento em que estamos a projectar isso já acontece. O que nós fizemos foi, aos poucos, criar uma especialização igual à da arquitectura nos interiores do escritório com mais conhecimento de marcenaria e serralharia... assim como temos de estrutura ou de outros materiais na arquitectura... nós começámos a criar um grupo dentro do escritório de arquitectos que tinham essa expertisenesse tipo de detalhe também.
SN - Claro, isso também obrigou a que a equipa técnica também estivesse mais formada nessas áreas.
DR - Sim.
Suzana Glogowski - Eu acho que é interessante acrescentar um pouco esse processo aqui dentro. Muitas vezes, divide-se. Contrata-se um escritório de arquitectura e depois um escritório de arquitectura de interiores. Sobretudo na América do Norte é muito claro. Tem o ‘core and shell’ e depois entra uma outra pessoa e às vezes com linguagens completamente diferentes. Nós, como temos os dois escritórios, que na verdade é um só aqui dentro, mesmo durante o processo é uma coisa totalmente cruzada. O projecto começa com a concepção da equipa da arquitectura, mas em seguida a equipa de interiores entra na concepção e fica trocando figurinhas a todo o momento, até que o projecto avance para o detalhe do mobiliário, em si, na equipa de interiores, mas são dois escritórios juntos. Trabalham o tempo todo em conjunto, trocando informações e muitas decisões de arquitectura são tomadas a partir do que a equipa de interiores nos coloca.
Ouça a entrevista completa aqui. Reveja, também, as entrevistas já publicadas do podcast No País dos Arquitectos:
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- Cristina Veríssimo e Diogo Burnay
- Ricardo Bak Gordon
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- Carvalho Araújo
- Guilherme Machado Vaz
- Menos é Mais Arquitectos
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- ARX Portugal
- Frederico Valsassina
- PROMONTORIO
- Camilo Rebelo
- Pedro Domingos e Pedro Matos Gameiro
- Luís Rebelo de Andrade
- Susana Rosmaninho e Pedro Azevedo
- João Pedro Serôdio
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- Carlos Antunes e Désirée Pedro
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- Eduardo Souto de Moura
- Diogo Aguiar
- João Maria Trindade
- António Cerejeira Fontes
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.